Guerra da Coreia, Globalização Sul-Coreana e K-POP: Sobre o Processo de "Americanização" do Gênero Musical
A Guerra da Coreia (1950 - 1953)
No instante em que nos dispomos a constituir uma análise historiográfica acerca da Coreia, damo-nos conta de que a guerra representa uma aterradora constância, considerando que, por séculos a fio, digladiaram-se, no solo da península, os mais variados guerreiros. Dos embates entre os reinos chineses à invasão mongol, sob a dominação japonesa e eventual presença norte-americana; o povo coreano vivenciou conflitos diversos, absorvendo, desde muito cedo, as mórbidas consequências da violência.
Tal alcançaria seu ápice no ano de 1950, quando, em sequência a derrocada do exército nazista e dos destrutivos lançamentos nucleares nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) passaram a fazer do mundo um enorme jogo de tabuleiro, cujo objetivo seria conquistar o máximo de influência possível, de maneira a legitimar suas respectivas ideologias. Nesta disputa, os líderes políticos enviavam seus peões a carnificinas ao redor do globo, enquanto os civis esforçavam-se para evitar o fogo cruzado.
Após a Segunda Guerra Mundial, com a rendição do Império do Japão, cuja autossuficiência havia reduzindo-se ao pó – juntamente com duas de suas cidades – os EUA assumiram um papel de liderança naquela porção do mapa oriental, estendendo seus nacionais tentáculos em direção à Coreia, que por mais de três décadas encontrava-se dominada pelos vizinhos nipônicos. Evitando a consulta de qualquer sul-coreano, os representantes americanos e soviéticos traçaram, de maneira quase que despretensiosa, um paralelo que separaria aquele povo. Aqueles ao norte do trigésimo oitavo grau, seriam comunistas da URSS; os demais, localizados na porção sulista, estavam destinados ao capitalismo norte-americano.
Contrários à possibilidade de serem novamente dominados pelos interesses de estrangeiros, os sul-coreanos organizaram comitês antagônicos às ações americanas. Contudo, logo viram-se enfrentando não somente a constante presença das forças militares no país, como também a esmagadora influência propagandista de agentes relacionados ao Tio Sam, que possuía, como principal objetivo, barrar qualquer tentativa comunista de, com maior intensidade, espalhar-se pela Ásia.
Conquistado o Sul, os EUA passaram a confabular planejamentos diversos, que visavam a dominação completa daquele território. Almejando a vitória máxima no mutificado conflito com seu oponente soviético, os norte-americanos chegaram à conclusão que seria benéfico o exercício de controle absoluto sob a península coreana, considerando que, em caso contrário, poderiam haver chances da formação de uma poderosa tríplice socialista, considerando as tão próximas China e URSS.
Nesse implosivo contexto, eclode a Guerra da Coreia.
Considerando as adversidades até então expostas, torna-se possível afirmar que escolher um específico motivo para servir-nos de justificativa à mobilização militar nas fronteiras coreanas surge como árdua tarefa, uma vez que eram muitas as questões sociais ferventando em ambas as parcelas daquilo que outrora fora uma única nação. Contudo, em seu manuscrito, Visentini et al (2015, p. 65) atesta que:
Apesar de já existirem provocações mútuas entre o Sul e o Norte desde 1948, os primeiros combates fronteiriços significativos ocorreram em 4 de maio de 1949, quando o Sul iniciou uma forte escaramuça em Kaeson. Combates ainda maiores foram travados em junho de 1949, na península de Ongjin, dessa vez por iniciativa norte-coreana. O Sul reagiu enviando guerrilheiros ao Paralelo 38°, mas esses foram exterminados pelas tropas do norte.
Na contemporaneidade, naturalizou-se o pensamento de que a Coreia do Norte não passa de uma vilã nefasta, como os monstros de histórias para dormir, que puxam os pés das crianças ao anoitecer (BARREIROS, 2020). Principalmente através de uma infinidade de fake news, forças políticas contrárias à tal nação buscam deslegitimar sua autonomia, promovendo a ignorância e o antagonismo barato ao suposto inimigo – que, como mais a seguir veremos, assemelha-se mais à vítima! Assim, quando estourou-se o estopim da guerra, considerou-se culpada a parcela nortenha da Coreia. No entanto, como uma vez mais nos demonstra Visentini et al (2015, p. 65):
Nesse contexto, a Comissão da ONU Sobre a Coreia (CONUC) enviou uma delegação à zona de litígio para investigar a situação. Contudo, o relatório da CONUC, bastante influenciado pelos EUA, responsabilizava unicamente o Norte pelos conflitos, omitindo as provocações geradas pelo Sul.
Os Estados Unidos da América exerciam controle militar e político sob a Coreia do Sul, mas também desejavam elevar seus domínios ao norte. Instigando o conflito, logo passaram a enviar suas próprias tropas ao embate, abastando os combatentes sulistas com seus recrutas e veteranos originários do continente americano. Ainda assim, os norte-coreanos resistiram às investidas, protagonizando reviravoltas militares, visto que, principalmente através de táticas de guerrilha, afastavam seus inimigos da vitória.
Diante da inesperada oposição, ponderou-se, no capitólio americano, a detonação de mais uma arma nuclear em ambiente asiático, visando, de uma vez por todas, destruir aqueles que se opunham aos interesses da superpotência. Contudo, atestou-se que o lançamento de uma ogiva daquela magnitude poderia trazer danos irreversíveis à política nacional americana, de forma que colocaram-se de lado os aparatos nucleares, substituindo-os por algo talvez ainda mais maculoso: napalm (CUMINGS, 2004).
Em consequência aos bombardeios, devastaram-se regiões agrárias inteiras. Tal situação passou a provocar, tanto aos combatentes quanto aos civis norte-coreanos, todos aqueles cruéis efeitos da subnutrição, que perdurou através das gerações conseguintes, justificando a renovação da antipatia norte-coreana aos estrangeiros, invasores.
Dando-se conta de que a situação na Coreia estendia-se por período em demasiado – pois, ainda que mitigadas, as forças opositoras seguiam com suas armas em riste – e que passava a atrair opiniões contrárias à barbárie, vindas de nações aliadas aos EUA, optou-se pelo término das operações militares em solo nortenho. Contudo, jamais houve um acordo de paz; tropas norte-americanas ainda encontram-se presentes na Coreia do Sul, frequentemente realizando manobras e treinamentos militares. Além disso, como anteriormente abordado, utiliza-se a influência global e propagandista dos EUA para globalmente depreciar-se os eternos rivais norte-coreanos.
Em conclusão a esse breve capítulo, que de maneira nenhuma busca ser uma exploração detalhada do conflito titular, não passando de simplório resumo, que visa anteceder a pesquisa, leiamos as palavras de Cumings (1997, p. 329) que nos diz:
A verdadeira tragédia não foi a guerra em si mesma [...], a tragédia foi que a guerra não solucionou nada: simplesmente foi restaurado o status quo anterior, e a paz foi lograda apenas por um armistício. Hoje, os problemas e as tensões ainda permanecem.
A Globalização Sul-Coreana
Passado o confronto, observou-se a necessidade de reestruturar-se, devido aos exorbitantes gastos e perdas relacionadas à guerra. A Coreia do Sul, juntamente aos seus novos parceiros internacionais, buscava meios de incentivar o desenvolvimento do país. Para tanto, velou-se dos auxílios disponibilizados pelos EUA, concentrado seus esforços em projetos de industrialização e autoinserção no mercado global (KIM, 2013; LE et al., 2016).
Nesse contexto, surgem os chaebols: autoridades legais sul-coreanas, que exercem controle sob uma série de grupos comerciais, visando a lucratividade baseada na diversificação de produtos (Campbell, 2002). Em referência a tais relevantes conglomerados, cujas existências desencadearam uma série de profundas alterações na realidade sul-coreana, Castro (2020, p. 22), afirma que:
Semelhante ao governo japonês e seus zaibatsus, o governo apostou na formação de grandes grupos empresariais em estrutura de conglomerado com atuação em diversos setores para assim ter um alcance internacional, mas somente os grupos de empresas que se destacavam quanto a sua performance foram selecionados.
Tal enfoque no modelo econômico descrito não tardou a gerar resultados, sendo que a velocidade e qualidade da produção sul-coreana logo conquistou seu merecido lugar entre os países que comercializavam no mercado internacional, possibilitando que houvesse maior grau de exportação, em contraste à importação, e acelerando a substituição da manufatura pelas tecnologias maquinárias (KUZNETS, 1985; TOUSSAINT, 2007). Em sua escrita, Masiero (2003, p. 17) informa-nos que:
Em 1995, quatro dos 30 maiores chaebols – Hyundai, Samsung, Daewoo e LG – geravam sozinhos cerca de 10% do PIB coreano. Mesmo após as reestruturações impostas pela crise asiática, a maior parte dos conglomerados continuou dominando a economia sul-coreana.
Durante todo esse longo processo de renascimento socioeconômico, a Coreia do Sul enfrentou crises severas, sendo que foi-se testado a resistência dos chaebols em frente a problemáticas diversas (BYUNG-KOOK et al., 2011). Contudo, seja assertivo ou não o modelo adotado pela nação, caracteriza-se como incontestável o fato de que, a partir de sua abertura econômica ao resto do globo e considerando a constante presença norte-americana no país, a Coreia do Sul participou – e segue participando – ativamente da globalização. Suplementados pela ideologia do segyehwa, os setores socioeconômicos do país prepararam-se para a competitividade nacional, apresentando os dotes sul-coreanos ao mundo (MASIERO, 2003).
No decurso da globalização, as características nacionais mesclam-se entre si, uma vez que toda uma vastidão de elementos torna-se mais acessível, enquanto o mundo encontra-se conectado; tanto à web, como natural ao século XXI, quanto também a relacionamentos políticos de escalas internacionais. Portanto, alguns autores compreendem tal ação como os:
Processos de hibridação [que] englobam diversas misturas interculturais – não apenas as raciais às quais geralmente são limitadas à mestiçagem – e porque permitem incluir formas modernas de hibridação melhores que o "sincretismo", fórmula quase sempre referente a fusões religiosas ou movimentos simbólicos tradicionais. (CANCLINI, 1990, p. 15)
Assim sendo, temos que, inseridos na globalização, todos os países transmutam-se para além de suas naturezas, pois não somente consomem aquilo comercializado por nações estrangeiras, como também passam a ter maior contato com diferentes idiomas, personalidades, crenças e quaisquer outros elementos pertinentes à culturalidade. Portanto, em uma realidade globalizada, nenhuma cultura caracteriza-se como exclusiva, pois todas encontram-se em constante processo de mudança.
Naturalmente, a Coreia do Sul não escapou de tais alterações. Através da “onda” do Hallyu, o país conquista maior destaque no mercado cultural global, atraindo não somente renome, mas também surpreendentes quantidades de capital, chegando a semelhante nível de comparação aos seus históricos aliados capitalistas, pois:
Pela primeira vez desde seu início, a indústria cultural dos Estados Unidos tem um concorrente formidável: aquele que oferece uma grande variedade de produtos culturais e já conquistou os mercados asiáticos, desfrutando de tal expansão que pode ser vista como uma nova forma de cultura pop global (CICCHELLI; OCTOBRE, 2021, p. 01, tradução nossa).
Contudo, além de exportar cultura, os sul-coreanos acabam por também a importar, visto que, mais do que nunca, a sociedade em questão encontra-se conectada aos costumes de outros povos. Dentre eles, destacam-se os próprios norte-americanos, que de tão influentes na Coreia do Sul, impactam diretamente na constituição elemental de uma das mais renomadas expressões culturais da península: o K-Pop.
Aspectos Históricos do K-POP
Considerando a longevidade de sua população, a Coreia dispõe de um extenso histórico de culturalidade. São diversas as obras artísticas que exprimem as mais profundas simbologias contidas no povo coreano, sendo que, dentre tais, encontramos as músicas. Não há consenso entre os especialistas, pois trata-se de um debate árduo, onde inéditas descobertas, principalmente nos campos arqueológicos, quase que diariamente fomentam novas teorias; contudo, de maneira geral, acredita-se que Arirang seja a mais antiga canção folclórica da península, sendo que:
O conteúdo da música é tão diverso quanto as versões. Eles são cantados em diferentes situações e com finalidades. Em outras palavras, eles podem ser cantados para aliviar as dificuldades da agricultura, para confessar o verdadeiro coração de alguém a quem ama, para orar por uma vida rica e pacífica e para entreter as pessoas reunidas para uma celebração. Uma coisa em comum é que a música incorpora as emoções de alegria, raiva, tristeza e prazer que as pessoas sentem em suas vidas cotidianas. As letras e melodias de Arirang dependem da situação do cantor, e essa característica enriqueceu a diversidade da cultura coreana (NANUM, 2024).
Houveram outras melodias coreanas no passado, cujas realizações compõem o específico nicho de canções tradicionais pertencentes à nação. Contudo, em decorrência da marcha temporal e dos eventos militares anteriormente descritos, os sul-coreanos tiveram acesso a musicalidades distintas daquilo ao qual encontravam-se acostumados. Dessa forma:
Após o fim da Segunda Guerra e com forte influência dos Estados Unidos, houve a instauração de um novo cenário no que tange o surgimento de diferentes musicalidades e manifestações culturais. Neste período, era frequente que a Organização das Nações Unidas promovesse a visita de artistas norte-americanos ao país asiático para entreter e fornecer suporte às tropas que ocupavam o território. O som de músicos como Nat King Cole, Louis Armstrong e Marilyn Monroe trouxeram a Coreia do Sul o jazz, o blues e ritmos mais dançantes (KIM, 2011, p. 50).
Baseados em tais rítmicas, os sul-coreanos passaram a inspirarem-se naquilo que consumiam. No desenrolar das épocas, surgiram músicos nacionais que alinhavam-se às tendências externas, promovendo novas possibilidades de expressionismo ao país. Conta-se que, na década oitentista, imperavam as baladas românticas, protagonizadas por enaltecidas musas. Todavia, com o repentino surgimento do grupo Seo Taiji & Boys, a situação radicalmente alterou-se, pois “além da adição de ritmos não usuais a então indústria fonográfica sul-coreana como o hip-hop, o punk e a música eletrônica, foi adicionada uma característica marcante: a dança” (MILANI, 2022, p.139; KIM, 2011, p. 65).
Sequencialmente ao sucesso de tais artistas, profissionais agenciadores mobilizaram-se em prol da exploração desse novo nicho mercadológico, buscando artistas para configurarem seus respectivos projetos comerciais. No entanto, variantemente aos modelos adotados por organizações do tipo, tais empresas asseguravam não somente a divulgação dos trabalhos e organização geral dos grupos, mas passaram a também investirem na “fabricação” dos artistas em si, “[...] através do treino incessante de dança, canto, idiomas, entre outros” (MILANI, 2022, p. 140).
Sendo resultantes de tais artisticamente revolucionários empreendimentos, eis que surgem, no mesmo período, grupos como H.O.T., Shinhwa, S.E.S., Sechskies, Fin.K.L., Jinusean, G.O.D. e muitos outros, que competiam em prol do sucesso (MIDIORAMA, 2018). Torna-se pertinente ressaltar que, entre os grupos citados, encontram-se aqueles de cunhagens masculinas e femininas, demonstrando a pluralidade desses produtos que, ainda por vezes, também encontram-se mistos.
De acordo com os apontamentos da revista Bloomberg, considera-se que, “com uso excessivo de cores fortes e vibrantes, somados a coreografias complexas e sincronizadas, [o K-pop] espalhou-se de forma viral pela internet, de modo a atingir 80% de sua audiência fora da Coreia do Sul” (2014). Essa explosão de popularidade ocorre décadas adiante, principalmente com o arrebatador lançamento de “Gangnam Style”, do artista Psy.
Lançada em 2012, a música “invadiu as ondas do rádio, o videoclipe inundou as linhas do tempo do Facebook e os cabelos penteados para trás e os óculos escuros de Psy invadiram os programas de televisão” (KANG; SIT, 2022). Ainda de acordo com a mesma referência, “a música estreou na Billboard Hot 100 em setembro, antes de subir para o número 2 semanas depois. Também se tornou o primeiro vídeo a atingir 1 bilhão de visualizações no YouTube.”
Através do trabalho de Psy, abriram-se as porteiras estrangeiras para o K-Pop, considerando que, após tamanho sucesso do artistas, indivíduos até então alheios à musicalidade sul-coreana passaram a nutrir maior interesse por suas tão expressivas particularidades. Nesse contexto, surgem os grupos responsáveis pela fixação mercadológica internacional no género. Dentre esses muitos, à presente pesquisa, destaca-se o Bangtan Sonyeondan, mais popularmente conhecido através das siglas BTS.
Segundo Braga “Nas primeiras 24 horas após seu lançamento, o clipe ‘Boy With Luv’, bateu o recorde de 78 milhões de visualizações, na plataforma de vídeos YouTube” (2019, p. 82; Spangler, 2019). Não obstante, de acordo com a matéria do jornalístico Folha de São Paulo, o grupo logrou em emplacar “[...] três álbuns na lista da revista Billboard em menos de um ano” (2019, para. 1). Tais dados comprovam, indubitavelmente, o elevado grau de renome do K-Pop, numa escala global. Posteriormente ao BTS e amparados pelas expectativas gerais do público exterior para com o estilo musical, nasceram mais grupos, que seguem divulgando, a todo planeta, o estilo musical sul-coreano.
O Processo de “Americanização” do K-POP
Analisando as informações até então trabalhadas, torna-se possível alcançar o pensamento de que, por ter surgido durante a inserção da Coreia do Sul no mercado global, justamente inspirado pelas características estrangeiras, o K-Pop não pode ser considerado produto absolutamente nacional, visto que tal situação seria antagônica à origem de tal arte. Nessa relação maternal, tais músicas derivam-se justamente do passado sul-coreano: dos bombardeios e da propagação cultural norte-americana. Portanto, manifesta-se o momento de identificarmos, além do exposto, quais outras características pertencentes ao estilo remetem a conceituações alheias à nação sul-coreana.
Antes de tudo, urge-se compreender o K-Pop como advento mercadológico, pois, ainda que prole das intenções artísticas dos indivíduos que o produzem, tal surge como “um dos exemplos de como a globalização tem proporcionado a renovação das identidades culturais, transformando estilo de vida em mercadoria e a cultura em indústria” (MILANI, 2022, p. 141). Um exemplo de tal ocorrência encontra-se presente na lírica das canções, visto que, mais do que nunca, são entoadas no idioma inglês. É o caso de “Lose My Breath”, do grupo Stray Kids, onde, durante toda duração do som, não canta-se uma única palavra coreana. Denotando ainda mais os objetivos mercadológicos do lançamento, que busca a expansão de público nos países onde impera-se o idioma, ainda observa-se que trata-se de uma parceria com o produtor norte-americano Charlie Puth (STRAY KIDS, 2024).
Outros grupos também possuem canções apenas em inglês, não sendo tal, necessariamente, uma novidade no mercado cultural sul-coreano. Porém, considerando a relevância que o Stray Kids possui em comparação aos demais grupos de sua geração, nota-se que tal ação possivelmente impactará outros a tomarem a mesma decisão (RECREIO, 2023). Outra relevante observação acerca do tópico encontra-se no fato de que, quando em carreira solo, os artistas costumam cantar majoritariamente em coreano; contudo, quando em grupo, são raras as composições fiéis ao idioma originário. Tal ocorrência retifica o fato de que, inseridos em um mercado de maior consumo e menor autossuficiência, dependendo dos avais de gravadoras, que naturalmente almejam o lucro estrangeiro, os cantores necessitam adequar-se aos contratos, que por vezes são contrários aos seus objetivos enquanto músicos.
Ainda no tocante ao expressionismo linguístico adotado por grupos de K-Pop, temos que, nos vídeos e demais matérias de divulgações referentes aos seus trabalhos, grande parte dos artistas velam-se de legendas ou de falas em idiomas alheios, sendo o inglês a maneira universal de comunicação a qual também encontram-se integrados. Dessa forma, até mesmo seu marketing passa a ser constituído de maneira a engrandecer fragmentos culturais estrangeiros em relação ao dialeto, ainda que exista certa mesclagem com o coreano.
Para além do âmbito relacionado às específicas utilizações de diferentes idiomas enquanto propagadores de uma marca comercializável, notam-se outros elementos globalizantes no K-Pop, que o enaltecem ao papel de protagonismo em relação à disseminação cultural sul-coreana, ainda que em demérito de suas raízes enquanto expressão popular local. Trata-se da maneira de vestir-se. visto que, em muitas de seus trabalhos registrados por câmeras, os artistas aparecem com roupagens específicas, tais como calças jeans, tênis de marcas ádvenas ao solo sul-coreano e até mesmo regatas de times da liga norte-americana de basquete, além de outras demonstrações de assimilação à cultura material alheia.
Além das citadas, temos o hanbok, uma vestimenta tradicional simbólica da nação, utilizada por grupos femininos e masculinos em alguns de seus clipes musicais ou apresentação ao vivo, rendendo-lhes aspecto cerimonial. Também empregado no passado da indústria, o hanbok atual, vestido pelos artistas, diferencia-se do modelo original. Através de mudanças no design, os trajes aproximam-se das preferências modernas de um público frequentemente alheio aos elementos históricos da peça, com estampas gritantes e cores fortes, que rendem aos cantores aspectos contrastantes.
Poder-se-á argumentar que as escolhas de vestimentas não passam das preferências dos próprios artistas, que humanamente deveriam estar utilizando aquilo que lhes agrada e lhes permitem sentir-se confortáveis, como natural de qualquer pessoa. Contudo, analisando de maneira comercial, levando em consideração a necessidade de seus investidores na obtenção de retorno aos seus gastos enquanto responsáveis pelas formações artísticas desses sujeitos, identificamos que as próprias roupas são uma manobra para acarretar visualizações, não apenas pela extravagância, como nos casos do hanbok, como também pela identificação, vide a moda norte-americana, globalmente comercializada.
Sobre a identificação por conteúdos materiais originários de mercados exteriores e consumidos em amplitude dentre os países diversos, complementa-se apontando para outros elementos visuais presentes, com maior ênfase, nos clipes musicais. Na canção “Bang, Bang, Bang”, do grupo musical BigBang, os cantores velam-se da moda punk, misturando uma série de veículos e roupas extravagantes; em “Antifragile”, Le SSerafim apropria-se de vestimentas alheias, enquanto também pilota modelos radicais. De maneira conclusiva às presentes exemplificações e retornando ao BTS, “No More Dream” pode ser descrito como um festival de características alienígenas à naturalidade sul-coreana, domesticada através da globalização.
Caracteriza-se como significativo relatar que, considerando os potenciais comerciais de tais ações e os níveis de aceitação identificados através das positivas reações públicas, não necessariamente relatam-se esses fatos como pontos negativos, uma vez que não é de interesse do presente manuscrito assumir papel julgador. Tratam-se somente de registros acerca de algumas das principais ocorrências dessa época vigente, como próprio da História. Contudo, temos que os assuntos aqui discorridos dizem respeito não somente ao passado, mas também ao futuro do K-Pop, já que, considerando as origens e os acontecimentos contemporâneos desse nicho mercadológico, deve-se atentar-se à possível mitigação do “K-” na palavra, e violenta intensificação do “Pop”.
Portanto, interpretando nossos papéis como seres conscientes da atual conjuntura secular, talvez estejamos próximos de observarmos uma provável redução dos níveis de culturalidade sul-coreana nesse produto, e sua transformação em algo menos estravagante e mais comum; ordinário. Tal situação demonstrar-se-ia catastrófica, pois, ainda que não necessariamente cada indivíduo seja consumidor direto do K-Pop, a humanidade como um todo pode estar próxima da perda de todo um universo de características culturais asiáticas, para sempre devorada pelo glutinoso espírito da globalização.
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